Muita gente ficou surpresa com os resultados de um teste do MIT sobre dialetos, que tinha como objetivo adivinhar que variedade do inglês a pessoa falava e qual era a sua primeira língua. Quando terminavam o teste, muitos falantes descobriam que o dialeto do inglês que eles falavam havia sido classificado como “U.S. Black Vernacular/Ebonics” (inglês vernacular afro-americano/Ebonics).
Mas qual é a relação entre falar espanhol e falar inglês vernacular afro-americano?
Idiomas afro e o resgate do inglês vernacular afro-americano
Nos Estados Unidos, às vezes os dialetos falados pelos afro-americanos são chamados de Black English (inglês afro-americano), African American Vernacular English (inglês vernacular afro-americano) ou até mesmo Ebonics. Embora a popularidade de cada um desses termos tenha variado com o passar do tempo, o estabelecimento de um nome específico permitiu que essa comunidade resgatasse as suas práticas linguísticas como uma parte da sua identidade que trazia alegria.
Entretanto, para além do inglês, a definição de um nome e discussões sobre negritude e línguas afro são muito menos comuns. Se o inglês afro-americano existe, será que existem outros idiomas afro originados pela colonização? Por exemplo, existem línguas afro-espanholas ou afro-portuguesas também?
Será que existem dialetos afro-espanhóis?
Cerca de 25% da população da América Latina é afrodescendente, em comparação a 12% nos EUA. Uma forma de falar sobre essa herança africana é o uso do termo “afro” no sentido racial; desse modo, um dialeto afro-espanhol seria a língua desenvolvida entre as grandes populações afrodescendentes nesse continente.
Então existe um idioma afro-espanhol? Como ele é? Quem o utiliza? Onde podemos ouvi-lo?
Há duas maneiras de entender o termo “afro-espanhol”. Em primeiro lugar, ele pode descrever indivíduos ou comunidades com herança africana que falam espanhol. Não precisa necessariamente se referir a uma língua à parte, e sim ao contexto racial ou étnico dessas pessoas. Contudo, essa definição é incompleta, pois não captura como essas comunidades usam o idioma. Muitas das práticas linguísticas desses falantes, incluindo pronúncia, vocabulário e gramática, são consideradas “gírias” ou “linguagem de rua”. O modo de falar desses indivíduos costuma ser considerado inadequado, informal demais ou até “língua de jovem”, assim como acontecia (e ainda acontece) com o inglês afro-americano.
No entanto, há uma segunda forma de entender o termo “afro-espanhol”: ele pode descrever uma variedade linguística (ou, mais provavelmente, múltiplas variedades) com influências e histórias complexas, exclusivas das comunidades que falam línguas afro-espanholas. Ou seja, esse termo pode se referir ao idioma espanhol ou aos idiomas espanhóis resultantes da migração — majoritariamente forçada — da África para a América e da América Latina para os Estados Unidos. Considerando esse significado, o termo “afro-espanhol” nos permite falar sobre como os falantes de espanhol afrodescendentes têm exercido e recebido influências de outras populações afrodescendentes, como os afro-americanos nos EUA e os afro-caribenhos falantes de inglês.
E é exatamente isto que encontramos: as variedades do afro-espanhol representam a herança empírica, histórica e cultural dos seus falantes.
Como é o afro-espanhol?
As variedades do afro-espanhol são tão numerosas quanto as comunidades afro-espanholas!
Por exemplo, podemos ouvi-lo em salões de beleza dominicanos no Harlem, em Nova York, onde o espanhol é influenciado pelo inglês — inclusive pelo inglês afro-americano:
- Rollos é usado para “hair rollers” (rolos de cabelo).
- Permanente é uma técnica para alisar o cabelo que os afro-americanos chamam de perms (em oposição ao significado da década de 80 nos EUA, que se referia a uma técnica para enrolar o cabelo — como no Brasil).
O inglês afro-americano é conhecido por processos como o encurtamento de palavras, o que também acontece com o afro-espanhol. Veja só: do mesmo jeito que em inglês What is up? (“E aí?” ou “Como vai?”) vira Wassup?, a expressão equivalente em espanhol ¿Qué es lo que es? vira ¿Qué lo que?. Além disso, a forma encurtada pode ser escrita com a abreviação KLK, embora a letra “k” raramente seja usada em espanhol! Também existe todo um vocabulário com raízes em línguas africanas, incluindo muitas palavras em espanhol dominicano:
- ñam e ñame: “comer” (da língua crioula jamaicana);
- guineo: “banana”;
- mondongo: “dobradinha”, “buchada” ou simplesmente “mondongo”;
- cachimbo: igual em português;
- fucú: “espírito mau”.
Um meio de marginalizar as pessoas é dizer que o idioma — ou o dialeto — que elas falam não existe. Esse tipo de apagamento acontece quando um grupo é estigmatizado pela sociedade, pois a língua desse grupo é estigmatizada também. Palavras e sotaques são vinculados às comunidades e aos indivíduos que mais os utilizam; contudo, mantemos vivos até mesmo os aspectos estigmatizados do nosso idioma, especialmente entre amigos e familiares próximos, pois a língua que falamos faz parte de nós!
Diga Hey Prii aos idiomas afro-espanhóis!
Reconhecer o afro-espanhol como um dialeto rico e singular da língua espanhola coloca em evidência a identidade e as práticas culturais de milhões de pessoas. Aprender sobre os dialetos do espanhol nos permite criar vínculos mais profundos com todos os falantes desse idioma, incluindo os afrodescendentes que moldaram grande parte da herança cultural da América Latina — assim como moldaram as formas e funções do próprio espanhol!
(Hey Prii é uma expressão do dialeto afro-colombiano usada do mesmo jeito como comunidades africanas usam Whatsupp Cuz, algo como “e aí, cara?”, na Califórnia, EUA.)