Muitas línguas românicas têm palavras completamente diferentes para “esquerda”: o espanhol diz izquierda, o italiano fala sinistra e o francês usa gauche. Esse fato é um pouco surpreendente, já que todos esses idiomas evoluíram a partir do latim.
Muitas línguas românicas têm palavras completamente diferentes para “esquerda”: o espanhol diz izquierda, o italiano fala sinistra e o francês usa gauche. Esse fato é um pouco surpreendente, já que todos esses idiomas evoluíram a partir do latim.
Na verdade, algumas dessas palavras vieram de línguas completamente distintas. O espanhol e o português pegaram emprestada a ezkerra do basco — um idioma sem relação nenhuma com eles, falado hoje no norte da Espanha e no sudoeste da França. Já o francês adotou gauche das línguas germânicas no século 15 para substituir o termo mais antigo senestre, que tinha vindo do latim.
Entretanto, esses não são casos isolados. Em diversos idiomas, principalmente os falados em partes da Europa e da Ásia, as palavras para “esquerda” tendem a variar e ser instáveis, ou seja, são emprestadas e substituídas o tempo todo. Ao contrário, as palavras para “direita” tendem a permanecer as mesmas ao longo do tempo. Por exemplo, derecha em espanhol, droite em francês e a nossa conhecida direita em português vieram do latim dīrēctus.
Mas por quê?
Por que os idiomas evitam a palavra “esquerda”
Os motivos para ter tantas palavras para “esquerda” provavelmente têm origem na cultura antiga e na fisiologia humana.
Considerando algumas das maiores e mais antigas religiões do mundo, é impossível não observar algumas coisas em comum. Por exemplo, há uma preferência generalizada pelo lado direito em relação ao esquerdo:
- Hinduísmo: O lado direito é considerado de bom presságio, e cerimônias ou rituais sagrados são realizados com o uso da mão direita como sinal de respeito e pureza. Na tradição hindu, a mão esquerda é considerada impura porque é usada para limpar o corpo.
- Cristianismo: Na Bíblia, a mão direita de Deus é um símbolo importante de força, benção e até salvação. Por exemplo, se diz que Jesus Cristo está sentado à mão direita de Deus, indicando uma posição de honra e autoridade. Enquanto isso, Satã vive na mão esquerda de Deus.
- Islã: Nas tradições islâmicas, a mão direita é preferida para ações honrosas, como dar e receber objetos, saudar e comer, pois ela representa pureza e respeito. Por outro lado (risos), a mão esquerda é considerada impura.
O viés em prol da mão direita foi reforçado pelo fato de que há muito mais pessoas destras do que canhotas pelo mundo. Assim, passou-se a pensar no lado direito como “bom” ou “normal”, enquanto o esquerdo adquiriu conotações negativas, a ponto de se tornar um tabu.
Como os idiomas evitam as palavras-tabu para “esquerda”
Geralmente, as pessoas ficam desconfortáveis ao discutir ou simplesmente mencionar tabus, então elas usam muito a criatividade quando têm que fazer isso!
Uma estratégia comum é encontrar um termo substituto que seja socialmente aceitável. Já percebeu que os palavrões no seu idioma tendem a parecer mais pesados que o equivalente deles em um idioma que você não conhece tão bem? As palavras-tabu funcionam da mesma forma: como as pessoas querem evitar aquela palavra, usam alguma de outro idioma!
Por isso, o espanhol pegou emprestado ezkerra do basco, o francês pegou gauche das línguas germânicas etc.
A substituição de palavras não é o único modo como as conotações morais de “direita” e “esquerda” influenciaram as línguas. Outra maneira foi o desenvolvimento de palavras e expressões que evidenciam essa divisão. Veja alguns dos muitos exemplos de línguas europeias:
- Italiano— sinistra significa tanto “esquerda” quanto “sinistra”.
- Português— a expressão com o pé direito é usada quando alguém tem sorte ou quando faz algo que dá certo logo de início, enquanto com o pé esquerdo significa o contrário.
- Inglês— out of left field (fora do campo esquerdo) é uma referência do beisebol que significa que algo é inesperado ou mesmo bizarro.
- Sueco— vänsterprassel é um termo meio engraçado que significa literalmente “farfalhar esquerdo”, mas na verdade é uma gíria para infidelidade.
Esses exemplos mostram como as crenças de um grupo de falantes podem influenciar o idioma. Por sua vez, o idioma passa a perpetuar esses vieses entre os seus falantes.
Esquerda, direita e siga em frente!
A história das palavras “direita” e “esquerda” oferece um olhar intrigante para a nossa história cultural e nos lembra de como crenças antigas continuam a influenciar o nosso vocabulário e percepções ainda hoje.